Remédios do Amor, e Amor Sem Remédio - II

O segundo remédio do amor é a ausência. Os filósofos costumam definir a morte como ausência, e seus dois primeiros efeitos como dividir e esfriar.

Um dos maiores exemplos dessa verdade foi Madalena ao sepulcro de Cristo na madrugada da Ressurreição. Ela olhou, não achou o sagrado corpo, tornou a olhar, persistiu, chorou. E por que ela fez tudo isso? Não era pelo tanto que amava a Cristo, e sim pelo quanto que o temia! Ela sabia que a ausência tem os efeitos da morte: apartar e depois esfriar; e como se via apartada do seu amado, que é o primeiro efeito, temia que se lhe esfriasse o amor no coração. E como o coração se aquenta pelos olhos, por isso procurava achar o corpo de seu Senhor, para que, com a sua vista, se tornasse a aquentar o amor.

Estes costumam ser os efeitos da ausência. Porém, o coração de Cristo, humano e divino juntamente, ainda que, como humano, se aparta, como divino não se esfria. O fogo pode-se apartar, mas não se pode esfriar. Estando perto ou longe, presente ou ausente, sempre arde igualmente, porque sempre é fogo. Poderá ser tão distante a ausência, que o tire da vista; mas nenhuma tão poderosa que lhe mude a natureza.

Assim como o amor de Cristo não podia deixar de amar em nenhum tempo, porque é eterno, assim não pode deixar de amar em nenhum lugar ou distância, porque é amor. E o amor não é união de lugares, e sim de vontades; se fosse união de lugares, a distância o desfaria, mas como é união de vontades, a ausência não o pode esfriar nem diminuir.

Tão longe esteve a ausência de ser remédio para o amor de Cristo, e tão longe de causar os seus efeitos, que antes produziu o contrário. Os efeitos da ausência, como vimos, são dividir e esfriar; e a ausência de Cristo, em vez de dividir, uniu as pessoas, e em vez de esfriar, acendeu o amor. Quando Saulo caminhava furioso para Damasco, Deus disse as seguintes palavras que o derrubaram e converteram: Saulo, Saulo, por que me persegues? E isso aconteceu dois anos depois da subida de Cristo ao céu. E se Cristo estava no céu, como se queixa de que Saulo o perseguia? Sendo que na verdade ele perseguia a seus discípulos?! Simples! Porque, ainda que o Senhor estivesse no céu e os discípulos na terra, Ele estava tão unido com eles, que os não distinguia de si. Se os distinguira de si, dissera: Por que persegues a meus discípulos? Mas, porque os não distinguia de sua própria pessoa disse: Por que me persegues a mim.
Por isso Cristo não faz distinção de si aos seus discípulos quando está no céu, porque no céu já estava ausente, e o primeiro efeito que causou a ausência em Cristo foi uni-lo mais com os mesmos de quem se ausentara. Quando estava presente, Cristo e os discípulos eram eu e estes; porém, depois que esteve ausente, já não havia eu e estes, senão eu; já não havia: Por que os persegues a eles, senão a mim.

Depois da Ceia deste dia despediu-se o divino Mestre amorosamente dos mesmos discípulos, e, vendo-os tristes por sua partida, consolou-os com estas palavras:
“Discípulos meus, não vos desconsole a minha partida: ausento-me de vós, mas adverti que a vós vos convém e importa muito esta mesma ausência, porque, se eu não for para o céu, não virá o Espírito Santo; porém se for, como vou, eu vo-lo mandarei de lá.” Assim o prometeu o Senhor, e assim o cumpriu. Partiu-se, foi para o céu, e em poucos dias, ficando lá a pessoa do amante, veio pra cá em pessoa o seu amor. Mas como veio? Não menos intenso, não menos ardente, não menos abrasado que em forma de fogo.

O mesmo Cristo o já tinha dito muito tempo antes deste fogo de seu amor, e disse que ele viera pôr fogo à terra, e que não desejava mais nenhuma coisa senão que se acendesse. Mas se o Senhor desejava tanto que o fogo de seu amor se acendesse na terra, por que o não acendeu enquanto esteve nela? Porque é propriedade maravilhosa deste fogo divino aguardar pela ausência para se acender. E isto é o que disse aos discípulos: “Se eu me for, se eu me ausentar de vós, então vos mandarei o fogo do meu amor, ou o meu amor em fogo, para que vejais quanto vos convém esta minha ausência, e para que não receeis que ela, como costuma, me haja de esfriar o amor, porque antes o há de entender e acender mais”.

“Cuidais que eu só sou Deus de perto, e não Deus de longe? — Enganai-vos.” (Jer. 23,23)... De perto sou Deus, e de longe Deus; antes, do modo que pode ser, mais Deus ainda de longe do que de perto, porque de perto mostro a minha presença, e de longe a minha imensidade. E Ele fala a você, que está preparando um lugar, uma morada no céu e que se você crer Nele coisas maiores fará! Tal é o amor do nosso Deus, ou o nosso Deus do amor....que este amor possa crescer em sua vida e uni-lo cada dia mais às pessoas e ao Pai!
Que Deus abençoe vocês!

(Sermão do Mandato)

Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que crê em mim, esse também fará as obras que eu faço, e as fará maiores do que estas; porque eu vou para o Pai;
e tudo quanto pedirdes em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho.
Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu a farei. Se me amardes, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Ajudador, para que fique convosco para sempre. A saber, o Espírito da verdade, o qual o mundo não pode receber; porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque ele habita convosco, e estará em vós para sempre.
Não vos deixarei órfãos; voltarei a vós. Ainda um pouco, e o mundo não me verá mais; mas vós me vereis, porque eu vivo, e vós vivereis. Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós. Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele.

(João 14)